RUBRA

Urticária

Conceito

A urticária é uma doença que se manifesta com lesões avermelhadas (urticas) na pele, que coçam e incomodam bastante. As lesões podem ter tamanhos diferentes e se juntar formando placas que duram até 24 horas sem deixar marcas ou cicatrizes. Em algumas pessoas a urticária pode vir acompanhada de angioedema (inchaço) em diferentes locais do corpo, como: pálpebras, face, lábios, genitália, mãos e pés.

Classificação

A urticária é dita aguda quando os sintomas têm início recente e duram menos de 6 (seis) semanas. Em geral os sintomas surgem logo após a ingesta de um alimento ou medicamento, eventualmente, principalmente nas crianças, pode estar associada a infecções.

A urticária crônica é aquela em que os sintomas ocorrem diariamente ou na maioria dos dias por período de 6 (seis) semanas ou mais. A urticária crônica pode ser dividida em 2 subtipos: 

  • Urticária crônica espontânea: é a mais frequente e as lesões surgem sem que se encontre qualquer fator externo responsável.
  •  Urticária crônica induzida: as lesões são desencadeadas por fatores externos específicos, identificados pela história clínica e testes de provocação.

Urticária Aguda       

Infecções

Diversos agentes infecciosos já foram implicados como causadores de urticária. Bactérias (ex. Mycoplasma), fungos e vírus (ex. influenza, SARS-CoV-2) são capazes de provocar urticária aguda.

Parasitoses

Agentes parasitários também já foram associados ao desenvolvimento de urticária aguda (ex. Anisakis simplex, Blastocystis hominis, Malaria).

Medicamentos

Cerca de 17% das reações a medicamentos se apresentam como urticária. Os medicamentos mais frequentemente associadas são iECA (ex.captopril), AINEs (ex. AAS, diclofenaco), e antibióticos (ex. cefalosporinas e penicilinas).

Alimentos

Os alimentos também são outra causa de urticária aguda. Os mais frequentes são: leite de vaca, ovo, peixe e frutos do mar, frutas (ex. pêssego e kiwi), castanhas e trigo.

Urticária Aguda X Anafilaxia

Urtica é definida como uma lesão da pele onde se observam três características: edema (inchaço) central de tamanho variado, circundado por eritema (vermelhidão), de natureza efêmera (pele retorna ao aspecto normal geralmente em período que varia de uma a 24 horas), e prurido (coceira) associado. Angioedema é um inchaço súbito de porções mais profundas da pele onde há maior frequência do sintoma de dor em relação ao prurido, com acometimento de membranas mucosas, e resolução mais tardia, em torno de 72 horas.

Essas lesões podem estar presentes em algumas doenças na pele entre elas, a urticária e a anafilaxia. Como diferenciar uma coisa da outra?

Urticária é uma dermatose (doença de pele) caracterizada pelo aparecimento de urticas com ou sem angioedema. Quando é aguda, dura no máximo 6 semanas e se passar disso, chamamos a urticária de crônica. Pode ser desencadeada por várias situações, como infecções, alimentos, medicamentos e muitas vezes até de forma espontânea.

A anafilaxia também pode se manifestar com urticas e angioedema, mas, ao contrário da urticária, há o envolvimento de outros sistemas do corpo, como o respiratório (crise aguda de rinite, tosse, chiado, falta de ar), cardiocirculatório (queda da pressão, palidez, síncope), digestório (náuseas, vômitos, cólicas e diarreia) e nervoso (tontura, perda de consciência e até convulsão). Esses sintomas não necessariamente vêm todos de uma vez, mas a anafilaxia é sempre mais aguda, mais grave e sempre envolve mais de um sistema além da pele.

No momento que a pessoa está começando a ter urticas e angioedema, é realmente difícil saber se aquele quadro será apenas uma urticária que está começando ou se vai caminhar para anafilaxia. Por isso, a pessoa precisa ser observada atentamente. Mas a anafilaxia é sempre mais grave e frequentemente a evolução do surgimento das urticas é mais rápido, sendo que rapidamente o corpo se enche dessas lesões; o angioedema costuma ser mais pronunciado e a rouquidão já denota que esse inchaço está atingindo a laringe e pode evoluir para edema de glote; ao contrário, na urticária aguda, os sintomas costumam ser mais brandos, as lesões ficam mais espalhadas, o angioedema não costuma ser tão pronunciado.

A urticária aguda, por definição, é uma doença exclusiva da pele, não há sintomas sistêmicos. E deve ser tratada apenas com anti-histamínico e corticoide, este por curto período. Se o problema evolui e o paciente começa a ter sintomas sistêmicos, qualquer um dos citados acima, estamos diante de anafilaxia e o tratamento que se impõe é a adrenalina intramuscular.

Urticária Crônica Espontânea

Como vimos acima, a urticária caracteriza-se pelo surgimento de urticas e angioedema, com acentuada coceira. Quando esse quadro dura mais de 6 semanas, chamamos de urticária crônica.

Quanto ao desencadeante, as urticárias podem ser induzidas (por pressão, frio, calor, etc) ou podem ser espontâneas, ou seja, aparecem sem causa imediata que justifique o surgimento dessas lesões. Embora a urticária crônica espontânea (UCE) possa ser agravada por certas doenças internas, uso de alguns medicamentos e às vezes até por alguns alimentos, isso não se constitui a causa do problema. A origem da UCE é interna e mesmo quando o paciente retira todos esses possíveis desencadeantes, o problema não cessa, sendo necessário o tratamento com uso de anti-histamínicos, drogas imunobiológicas como omalizumabe, ou até imunossupressores, quando medicações mais simples não conseguem resolver.

O impacto da UCE na qualidade de vida é imenso. A coceira pode ser insuportável, impedindo o sono e as atividades normais do dia a dia. O angioedema pode ser deformante, limitando o convívio social, o trabalho e comprometendo sobremaneira a vida de quem tem esta doença.

A UCE não é um problema raro, afetando até 5% da população e é mais comum em mulheres e em adultos. A evolução natural é imprevisível, mas o mais comum é a remissão após algum tempo de tratamento, embora até 30% dos casos possa ter doença com duração superior a um ano e em torno de 10%, superior a 5 anos. 

Urticárias Crônicas Induzidas – o que são

A urticária é definida como crônica quando persiste por 6 semanas ou mais. A urticária crônica compreende urticária crônica espontânea (UCE) e urticárias crônicas induzidas (UCInd), que incluem as urticárias físicas e não físicas. As UCInds são caracterizadas pelo aparecimento de urticas recorrentes (menos frequentemente angioedema), como resposta a estímulos externos específicos. A UCInd inclui as urticárias físicas (dermografismo sintomático, urticária de contato ao frio, urticária de contato ao calor, urticária de pressão tardia, urticária solar e urticária vibratória) e as urticárias não físicas (urticária colinérgica, urticária de contato e urticária aquagênica).

Dermografismo

Este tipo de urticária física caracteriza-se pela ocorrência de urticas após uma pressão ou força de corte aplicada sobre a pele, o que pode ser causado durante a fricção, o ato de coçar ou esfregar, desenvolvendo lesões pruriginosas, raramente acompanhadas de angioedema. É a forma mais comum de UCInd, presente em 2 a 5% da população geral, alcançando de 30 a 50% dos casos, além de ser uma das urticárias crônicas induzidas mais comumente presente em pacientes com Urticária Crônica Espontânea (UCE). O dermografismo pode ser assintomático ou sintomático, no primeiro surgem as urticas após o estímulo porém sem prurido local, no segundo além de surgirem as urticas se tem um prurido intenso que se mantém causando grande desconforto ao paciente.

Urticária de pressão tardia – UPT

Pacientes com UPT desenvolvem urtica e/ou angioedema a partir de 4 a 6 horas de exposição da pele após um estímulo de pressão sustentado. As lesões podem surgir em até 12-24h, as quais podem durar até 72 horas.  Como em outras urticárias físicas, a UPT pode ocorrer concomitante a diferentes urticárias crônicas, espontânea e/ou induzidas, podendo acometer 37% a 62% dos pacientes com UCE.

Urticária ao frio

Urticária ao frio é definida pelo surgimento de urticas após exposição ao frio, seja por objetos sólidos, ar ou líquidos frios. A urticária ao frio é a segunda forma mais comum de urticária induzida física. Sua incidência anual estimada é de 0,05%. Sua frequência varia entre 5,2- 33,8%, predominando no sexo feminino (2:1), sendo a faixa etária mais acometida entre 20-30 anos. As lesões geralmente são limitadas ao local de contato com o frio (urticas e angioedema), porém podem ser generalizadas e acompanhadas por manifestações sistêmicas, inclusive com evolução para insuficiência respiratória aguda e anafilaxia. Estas ocorrem principalmente em situações como carregar objetos refrigerados, nadar em água gelada, permanecer ou entrar em ambiente refrigerado.

Urticária ao calor

A urticária ao calor é uma forma rara de urticária induzida caracterizada por eritema pruriginoso e urticas que surgem logo após a exposição ao calor. A maioria dos casos ocorre em mulheres (82%). Pode-se apresentar sob duas formas: localizada e generalizada, na dependência da limitação da reação na área da pele diretamente exposta ou acometimento de áreas distantes, respectivamente. As urticas surgem 2-15 minutos após a exposição e podem persistir até por aproximadamente 1-3 horas. Pode ocorrer sensação de queimação no local das lesões. Alguns pacientes podem apresentar manifestações sistêmicas como desmaio, fadiga, náuseas, vômitos, dor abdominal, febre e falta de ar. Este quadro ocorre, particularmente, se as áreas acometidas forem extensas.

Urticária solar

Pacientes com urticária solar desenvolvem urticas rapidamente após a exposição da pele à luz solar. A maioria dos casos são benignos, mas em alguns pacientes pode haver sintomas sistêmicos associados, como dor de cabeça, náuseas, envolvimento mucoso e até mesmo anafilaxia.

Urticária/Angioedema vibratório

Pacientes com urticária/angioedema vibratório apresentam prurido e urticas minutos após a pele expor-se a estímulos vibratórios, por exemplo, pilotar motocicletas, cavalgar ou praticar mountain bike; uso de britadeira, cortador de grama e tocar instrumentos musicais como guitarra. Este subtipo de urticária pode ser familiar.

Urticária aquagênica

A urticária aquagênica é uma condição rara, desencadeada pelo contato com água, independentemente da sua temperatura. Aproximadamente 30 minutos após o contato com a água, os pacientes desenvolvem urticas. Em sua maioria são casos isolados, entretanto, foram relatados casos familiares. Outras causas de urticária devem ser excluídas antes de se pensar em urticária aquagênica.

Urticária colinérgica

É caracterizada pelo surgimento de lesões micropapulares, relacionadas à elevação da temperatura corporal a partir de exercício físico ou aplicação local de calor, além do estresse emocional, comidas picantes ou bebidas quentes. As lesões possuem, aproximadamente, entre 1 e 3 mm, localizando-se em tronco e membros superiores. Diferente de outros tipos de urticária, muitos pacientes com urticária colinérgica queixam-se de “formigamento”, o que tem grande impacto na qualidade de vida destes pacientes. As lesões tendem a durar 15 a 60 minutos e podem estar associadas ao angioedema (inchaço) local.

Urticária de contato

Pode ser definida como urticária de contato irritativa (não imunológica) – é o tipo mais comum. A intensidade da reação varia de acordo com a substância desencadeante e a quantidade. Este tipo fica restrito apenas ao local de contato e pode ocorrer na primeira exposição à substância. Principais agentes envolvidos: plantas; lagartas, traças e outros insetos; cosméticos, produtos químicos; frutas, vegetais; e, menos frequentemente, animais marinhos. A urticária de contato alérgica (imunológica) – ocorre primeiro a sensibilização do organismo, ou seja, o paciente precisa ter tido contato anterior com a substância suspeita. Este contato pode ter ocorrido pela pele, mucosa, trato respiratório ou digestivo. Forma-se então uma “memória” da alergia específica a este agente e, a cada novo contato, ocorre uma nova crise. As lesões podem ocorrer no local do contato com a substância, mas também à distância. Os sintomas podem variar, desde casos leves até situações mais graves. Principais agentes desencadeadores: medicamentos (como antibióticos tópicos e anestésicos tópicos), alimentos, animais e látex.

Doenças autoinflamatórias

Uma gama de diagnósticos diferenciais deve ser considerada em um paciente que apresenta lesões urticariformes. Embora a urticária crônica seja o diagnóstico mais comum, outros diagnósticos diferenciais devem ser considerados, como: distúrbios mastocitários (incluindo mastocitose), síndrome hipereosinofílica, vasculite cutânea (urticária vasculite), eritema multiforme, lúpus eritematoso e doenças autoinflamatórias. Diante de uma destas suspeitas, pode ser necessária a investigação por exames complementares e biópsia cutânea.

As doenças autoinflamatórias se caracterizam por anormalidades da imunidade inata, constituindo um raro grupo de doenças que geralmente se manifestam por urticárias e febre, acompanhadas ou não de serosite (inflamação da membrana que reverte alguns órgãos), artrite, linfadenopatias, envolvimento ocular e/ou do sistema nervoso central.

As doenças autoinflamatórias são doenças raras, de manifestações clinicas particulares e típicas, que pertencem a pratica clinica dos imunologistas e alergistas, sendo um diagnóstico diferencial importante a ser considerado.

Qualidade de vida

A Urticária Crônica frequentemente produz grave impacto na qualidade de vida.

Ela pode ocorrer em qualquer idade, no entanto o pico de incidência ocorre entre os 20 e 40 anos de idade, justamente a fase em que estamos mais ativos em trabalhos, estudos e família. O paciente com Urticária Crônica apresenta instabilidade emocional importante devido às lesões de pele e prurido intenso. O prurido cutâneo gera desconforto variável, assim como as lesões, que, dependendo do seu número e localização, podem afetar a aparência e a vida social assim como distúrbios do sono. Em torno de 73% dos pacientes referem ter convites sociais cancelados e aproximadamente 70% sentem impactos negativos em sua vida sexual.

Ela também acarreta transtornos na estrutura familiar, comprometendo o desempenho no trabalho, na escola e no lazer aonde 84% destacam que restringem suas saídas para comer e beber, devido à exposição.

 O pouco conhecimento sobre a doença pode colocar o paciente em situações constrangedoras quando há confusão sobre o não contágio de pessoa para a pessoa. Ansiedade, depressão e baixa autoestima são comuns em pessoas com urticária crônica espontânea. Pacientes com angioedema podem sofrer ainda mais, deixando atividades de lazer e esportivas de lado (73% afirmam que tem suas atividades físicas afetadas), ou mesmo provocando ausência no trabalho ou na escola.

Por isso, o controle completo da doença é imprescindível. O diagnóstico correto deve ser realizado por um médico especialista, bem como um acompanhamento próximo e com tratamento que pode ir além do uso de medicamentos.

Comorbidades

Comorbidade é qualquer doença distinta adicional que tenha ocorrido ou que venha a ocorrer durante a evolução da doença principal, que no nosso caso é a urticária crônica. As comorbidades, em geral, trazem maior complexidade aos cuidados da urticária, podendo gerar uma resposta inadequada ao tratamento de base e/ou fazer com que a urticária crônica tenha um curso mais prolongado que o habitual.

            Sabendo que a urticária crônica espontânea (UCE) é uma doença autoimune, é comum que os pacientes apresentem outras doenças dessa natureza associadas, como por exemplo doenças da tireoide, diabetes mellitus tipo 1, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, dentre outras. Por isso, o médico que acompanha os pacientes com UCE normalmente solicita exames de sangue para rastreio dessas doenças.

            Além de doenças autoimunes, os pacientes com UCE podem apresentar também desordens psiquiátricas (32%), sendo o estresse um dos principais desencadeantes e um fator de risco para a doença. Mas lembre-se: o estresse e qualquer doença psiquiátrica não são a causa da UCE, mas apenas uma comorbidade que interfere no curso dessa doença.

            Infecções parasitárias também podem estar associadas a UCE em torno de 10% dos pacientes. Deve-se investigar a presença dessas infecções apenas quando há a presença de sintomas gastrointestinais, viagens recentes ou eosinofilia sem outra causa para tal. O tratamento dessa infecção pode melhorar os sintomas da UCE.

            Doenças atópicas também são possíveis de serem encontradas em pacientes com UCE, mesmo esse tipo de urticária não sendo de natureza alérgica. Também há descrição na literatura de infecção pelo Helicobacter pylori, hepatites virais,deficiência de vitamina D, dentre outros.

            O acompanhamento regular do paciente com UCE visa além de controle da doença, tratar e acompanhar também as comorbidades que possam interferir no curso dela.

Ferramentas para acompanhamento

Ao compreendermos que a urticária crônica é uma doença que gera grande impacto na qualidade de vida dos pacientes, é fundamental que o médico que acompanha essa doença tenha capacidade técnica para diagnosticá-la, tratá-la e acompanhar a sua evolução. E, para essa última função, os consensos médicos internacionais e brasileiro orientam o uso de ferramentas que foquem nos relatos do paciente, visando uma avaliação clínica do doente, e não na doença. Essas ferramentas são chamadas de Patient Reported Outcomes (PROs) ou desfechos relatados pelo paciente.

 O PRO é feito a partir de relatos realizado diretamente pelo paciente ou por pessoas próximas afetadas pela condição de saúde e tratamento da doença. São usados para a avaliação do estado de saúde e qualidade de vida, mas também da satisfação com tratamento e assistência recebida, adesão terapêutica, bem-estar psicológico, entre outros. Os instrumentos mais utilizados são entrevistas, questionários diários e padronizados.

Existem três ferramentas específicas para avaliação da urticária crônica e duas para quando há angioedema, todos já validadas para o idioma português. São elas: Urticaria Activity Score (UAS), Chronic Urticaria Quality of Life Questionnaire (CU-Q2oL), Urticaria Control Test (UCT), Angioedema Activity Score (AAS), Angioedema Quality of Life Questionnaire (AE-QoL).

Os PROs nada mais são do que instrumentos importantes para uma avaliação objetiva do impacto da urticária crônica. No entanto, mesmo já validados no Brasil, eles ainda são pouco utilizados na prática clínica. Por isso, caso o médico que acompanha a sua urticária crônica faça o uso dessas ferramentas para acompanhamento da doença, seja franco e resolutivo nas respostas, pois isso direcionará os cuidados com a sua doença.

Autores:

Sérgio Dortas

Antônio Penido

Elaine Gagete

Gabriella Melo

Andressa Zanadrea

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